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  • Foto do escritorDaniel Marcondes

No caminho da fraternidade

Impressionante como aquelas pessoas eram decididas. Escolheram seguir a Deus, professar uma vida humilde como a de Jesus e não pestanejam nisso.

Freis na Av. Brasil, a poucas quadras do nosso destino final: Catedral N. S. Aparecida. © Daniel Marcondes

Era 6:13 da manhã e finalmente mais um dia de expediente havia acabado. O sono nem me deixava mais pensar direito. Os olhos insistiam em querer fechar sozinhos e as pálpebras pareciam cada vez mais pesadas. O dia nem havia amanhecido direito e eu já tinha ganhado o pão de cada dia.


Sabia que dessa vez não poderia deixar para amanhã. Ao sair do local de meu trabalho tinha duas opções: a mais fácil, ir para casa e dormir; ou a mais difícil, seguir acordado. Pensei, pensei mais um pouco e me decidi. Resolvi pegar à esquerda. Ia pelo caminho mais difícil afinal. Ninguém queria saber se eu estava com sono, se eu tinha trabalhado a noite toda e estava cansado.


O jeito foi ir, na minha velocidade, ao centro da cidade, em direção do que poderia ser o sucesso de uma matéria bem-feita. A intenção era acompanhar os Freis da fraternidade “O caminho” na peregrinação que eles fazem pela manhã para ir à igreja. A missa seria às 7:00 na Catedral, a 2,7 km da casa da fraternidade. Eles geralmente saíam às 6:15 da casa. É, estava atrasado.


Qual foi a minha surpresa quando me deparei com eles na minha rota até a fraternidade. Estacionei imediatamente o carro rente ao meio-fio mais próximo, olhei para o lado do banco do passageiro, peguei minha mochila e parti atrás daquelas pessoas de marrom, numa caminhada frenética de um ritmo constante e rápido.


Minha fiel escudeira estava dentro da bolsa e logo tratei de sacá-la. A bateria estava Ok e o cartão tinha espaço para gravar um show de música se fosse preciso. Tudo certo com a câmera. Saí do carro rindo. Pensava em quem, em sã consciência, sairia do serviço às seis da manhã para ir andando até a missa. Fiz os primeiros passos com o sorriso largo no rosto. Acelerei o passo e cheguei ao primeiro Frei. Eu estava na jogada afinal, peguei o bonde andando e conseguir o alcançar.


Todos estavam de chinelo e de vestes marrons. O terço na mão de cada um deles também era uma constante. Alguns estavam com capuz na cabeça por conta da manhã gelada e outros iam com a cara ao vento, como quem não tem nada a temer. O silêncio entre eles era cortado vez ou outra pelo fluxo de veículos daquela hora do dia. Não consegui ter a mesma atitude: cumprimentei o primeiro frei e já emendei uma conversa despretensiosa.


— Que horas vocês acordam para chegar na missa às 7:00?

— A gente levanta às 6:00 da manhã...


E continuou assim nossa breve conversa, no ritmo da caminhada e dos vídeos que fazia pouco a pouco dessa trajetória. A verdade é que eles estavam em silêncio por um motivo: as primeiras palavras do dia são reservadas a Deus. Tinha que ser um estudante de jornalismo falastrão para quebrar esses votos.


Andei um pouco mais rápido e cheguei em mais três Freis. Novamente não consegui me conter: cumprimentei eles e começamos a conversar. Cheguei à conclusão de que talvez eu não servisse para ser Frei. É, falo demais. Gosto de saber a história das pessoas e pergunto sempre que tenho oportunidade. Pelo menos o sono havia passado. A caminhada, o vento no rosto, o ritmo me fizeram o efeito energético. Sentia que poderia correr uma maratona.


É impressionante como aquelas pessoas eram decididas. Escolheram seguir a Deus, professar uma vida humilde como a de Jesus, e não pestanejam nisso. Não reclamavam do caminho, nem quando questionados. Só agradeciam a Deus em seu singelo silêncio. Foi nessa hora que minha mente desacelerou.


Percebi em meu âmago o quão perdido estava. Não sabia direito quem eu era, nem se teria êxito na profissão e muito menos como seria o futuro. Estava preso nos caminhos do meu cérebro, indo automaticamente junto com os Freis. Pensava não quão valorosa tinha sido minha vida até ali. Será que tinha mesmo valido a pena? Será que eu estava no caminho certo? Será, meu Deus?


Só pensava em mim, egoísta como geralmente é o ser humano. Achava que aquela peregrinação seria útil em um trabalho da faculdade, só isso, e esquecia do quanto a vida pode nos ensinar com as pequenas coisas. Aqueles homens decidiram doar a vida por inteiro a Jesus, esqueciam de si por um propósito maior: a fé. Enquanto isso eu ali do lado deles me sentia cada vez mais pecador.


Estava de blusa por causa do frio e ela agora começava a incomodar. O suor já brotava em minhas costas com cada vez mais rapidez. A dor nos pés era cada vez maior. Mas a vontade de desistir não mais existia. Havia aprendido muito com o silêncio dos Freis e decidido: ia assistir à missa também.


Cheguei à conclusão de que focar apenas em si mesmo é um fracasso total. Pensar apenas no próprio umbigo é como negar toda a criação que Deus deixou na Terra. É tornar limitado um olhar que pode vislumbrar a fé e o amor de Deus numa simples caminhada. Percebi também que proclamar aos quatro ventos as minhas conquistas não importam. Deixar que o sucesso, ou o fracasso, fale por si talvez seja imprescindível. Até porque dificilmente alguém vai falar mal de si próprio também. São nesses momentos de reflexão que a gente para, fica em silêncio e escuta o que o universo tem para dizer. Ele sempre tem alguma coisa para falar.

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