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  • Foto do escritorDaniel Marcondes

A felicidade está na mesa

Atualizado: 29 de nov. de 2019

A risada é simplesmente cativante. O sorriso constante em sua face contrasta com o corpo todo tatuado. É como se ele quisesse materializar naqueles desenhos as marcas da vida até ali, como se não tivesse sido fácil. E não foi mesmo.

Paulinho Donut's não consegue esconder a felicidade de fazer o que ama: cozinhar. © Daniel Marcondes

Quem vê cara não vê coração é o que diz o ditado, não é? Não sei quem escreveu, mas sei que ele está errado. Ainda existem pessoas boas neste mundo. Gente que transparece na face, que transborda no rosto e no jeito de ser, tudo aquilo que tem no âmago. Gente que carrega uma felicidade intrínseca ao seu ser e que materializa no riso despretensioso pelos motivos mais aleatórios possíveis. Riem pela vida, como se entoassem um mantra de agradecimento por aquilo que se tornaram e por tudo aquilo que têm. Riem.


De uma moral inquestionável e um riso fácil, Paulinho Donut’s não poderia ser diferente. Muitos o conhecem pelas rosquinhas que ele vende por toda a cidade, mas eu prefiro lembrar dele por conta do jeito alegre de ser (e do quão gostosos são os donut’s que ele faz também). A risada é simplesmente cativante. O sorriso constante em sua face contrasta com o corpo todo tatuado. É como se ele quisesse materializar naqueles desenhos as marcas da vida até ali, como se não tivesse sido fácil. E não foi mesmo.


Quem se vê a parede da sala dele toda cheia de pôsteres, livremente dispostos ao redor da televisão, não imagina que nem sempre ele teve essa possibilidade. Sua mãe, por algum motivo desconhecido, não o autorizava a colar nada nas paredes de seu quarto. O pequeno Paulo até tentou colocar uma ilustração dos Cavaleiros do Zodíaco uma vez. Não deu muito certo. Apanhara da mãe e tivera que tirar o pôster que tanto gostava. Era como se a mãe tentasse cercear a liberdade que tanto se almeja na vida adolescente.


Talvez a mãe de Paulinho nunca imaginasse que a casa dele tivesse tantos pôsteres como tem hoje. © Daniel Marcondes

Tudo mudou com a morte do pai, um senhor entregador com alma de caminhoneiro e detentor de ao menos seis herdeiros. Paulinho estava no segundo ano do ensino médio quando isso acontecera. Tinha quinze anos em 2010 e já não tinha mais a colaboração paterna. Com a morte do pai, sua mãe mudara de perspectiva também. Deixara o filho com a liberdade que nunca tivera até então. Talvez tivesse entendido que era algo necessário (ou sei lá, as pessoas são difíceis de entender às vezes).


Conversávamos em uma mesa desequilibrada, como os altos e baixos da vida, com a trilha sonora dos carros e motos do trânsito frequente da rua em que fica a casa dele, completado pela fragrância vinda do cigarro Don Corleone Tobacco que ele fumava (afinal, todos temos os nossos vícios). Meu pé esquerdo calçava a mesa enquanto o interlocutor não parava de falar. E como aquele cara tinha história.


Ao terminar o ensino médio ele partiu em direção ao que almejava ser. Pretendia ser um famoso e reconhecido desbravador de fósseis, objetos antigos e pirâmides. Foi fazer história na UEM, em Maringá. É, infelizmente a realidade não foi bem assim.


O atendimento personalizado na Feira do teatro que acontece todos os domingos no estacionamento do teatro municipal Sefrin Filho é um dos diferenciais de Paulinho. © Daniel Marcondes

O curso era monótono demais e a teoria imperava. Não queria mais saber de ir para a aula, só de cozinhar. Cozinhava para quem ele gostava, fazia isso para manter as pessoas próximas ainda mais próximas e para demonstrar que ele era capaz de algo. Foi lá que sua vida mudou, mesmo tendo errado no curso, e chegou à conclusão, numa conversa despretensiosa entre amigos, de que cozinhar era a saída.


Aprendera mais fora dos muros da faculdade do que dentro da instituição de ensino. Foi no terceiro ano que resolvera voltar para Cascavel. Em 2012 avisou a sua mãe que “deu ruim” e voltou a morar na casa dela. Sentia-se um fracassado. Era como se tivesse na única e aparentemente fácil missão de escolher uma faculdade e uma profissão para a vida. Sentimento que era potencializado pelos olhares de julgamento das pessoas para quem dizia que havia desistido. A derrota batera para valer na sua porta dessa vez.


Mesmo assim, seguira firme no motivo de ter voltado a Cascavel: começou a fazer gastronomia. Mas ainda assim, tinha um sentimento de débito com sua mãe e estava mesmo mal por ter voltado para casa dela com uma mão na frente e outra atrás. Demorou cerca de seis meses para procurar um trabalho e sair do comodismo. A mãe havia o tranquilizado e ele desencanou do fracasso que parecia ser.


Quando se fala em Donut's em Cascavel, é inevitável pensar no que o Paulinho Donut's faz há alguns anos. © Daniel Marcondes

Trabalhou em vários lugares até perceber que aquela relação de patrão e empregado não era para ele. Queria inovar e ninguém mais tirava essa ideia da cabeça dele. Foi então que a ideia dos donut’s começou a tomar forma. Estuda daqui, aprende de lá, adapta daqui e ajusta de lá. Tinha tudo para dar certo (e deu, mas não agora).


O início foi muito difícil. Vendia apenas para os amigos e conhecidos, com cerca de cinco encomendas durante toda a semana. Tinha um sócio e ele não ajudava em nada. Estava ficando difícil a situação do seu Donut’s. Será que o fracasso visitaria sua vida novamente? Parecia que sim. Tudo estava dando errado, não tinha dinheiro para investir e nem conseguia sobreviver daquela renda.


Não foi bem assim. Dera um pé na bunda do sócio folgado e continuara na empreitada sozinho. Fizera do zero toda a parte gráfica e de divulgação do seu empreendimento e saiu à luta. Conciliar a “Paulinho Donut’s” com o emprego que tinha estava cada vez mais difícil. Foi então que a decisão já tomada por ele de sair do lugar foi ainda reforçada pelas rosquinhas.


Com as marcas que o fazem ser quem é hoje, Paulinho consegue viver hoje de seu dom culinário. © Daniel Marcondes

Era uma das primeiras vendas para uma pessoa que ele não conhecia muito bem. Era apenas uma amiga de um conhecido. Estava tenso. Não sabia se daria certo e nem como seria a receptividade dela. Levou os donut’s até o local de trabalho dela, recebeu e foi embora. Pois é, ela gostou. E gostou mesmo daquilo.


Qual foi sua surpresa ao ver que ela havia postado um elogio num grupo muito conhecido na cidade. A página das rosquinhas começou a ganhar mais e mais curtidas e os pedidos só aumentavam. Ele estava fazendo sucesso nas redes e os donut’s eram cada vez mais desejados na cidade. Não desistira na primeira adversidade, não dava vez ao fracasso. Como muitos brasileiros, ele se virou com o que tinha e como poucos, venceu. Venceu porque consegue viver daquilo que gosta, mas mais do que isso, venceu por ser aquilo que é hoje: Paulo Sérgio Rodrigues de Souza, mais conhecido como Paulinho Donut’s.

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