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  • Foto do escritorDaniel Marcondes

Como é fotografar na era digital

Atualizado: 29 de nov. de 2019

Não é só apertar um botão, é “tirar aquele fragmento da realidade e deixar ele guardado para a história”, afirmou o fotógrafo e repórter Fábio Donegá se referindo à profissão.

O fluxo intenso de veículos tornou o trânsito lento nas proximidades do trevo cataratas durante manifestação ocorrida no dia 27 de maio. © Daniel Marcondes

O sol daquele último domingo de maio ia cada vez mais baixo. O tempo passou rápido naquela tarde ensolarada. Já me dava por satisfeito depois de ter tirado centenas de fotos de mais um evento que acontecia no Autódromo Internacional de Cascavel. Era um hobby que adorava praticar desde que aprendi o ofício. Voltava para casa exausto, com boa parte das energias drenadas quando me deparei com algo que fugia do comum. Fiquei surpreso quando vi aquilo.


“É tirar aquele fragmento da realidade e deixar ele guardado para a história”, afirmou Fábio Donegá quando perguntado sobre o que é fotojornalismo. Fábio é fotógrafo desde 2008 pelo jornal “O Paraná” e formado pela faculdade Univel há dez anos. Realmente, fotografar é escrever com a alma. É enquadrar a realidade pela perspectiva de uma lente. É colocar para fora por meio de algo tão elementar que é a luz, aquilo que se vê, aquilo que se sente.


Tinha esquecido que estava marcada para o fim da tarde uma manifestação em apoio à greve dos caminhoneiros nas proximidades do trevo cataratas. O protesto estava bem no meio do meu caminho e quando vi estava envolto por aquela multidão em polvorosa trajada de cima abaixo, sempre que possível, nas cores da seleção brasileira. Não era época de copa (ainda), mas o barulho emanado da multidão, uma comemoração misturada com buzinas e gritos, tinha alguma semelhança com o evento que para o Brasil de quatro em quatro anos.


Aílton Santos, fotojornalista desde o tetracampeonato da seleção canarinho em 94, fotografa desde muito cedo, vive a adrenalina diária do jornalismo desde o início inusitado na profissão. Aprendeu a fotografar numa tarde e na mesma noite já colocou o que aprendeu em prática. “Eu fui lá, eu não tinha noção nenhuma de enquadramento, aí eu tive uma ideia pelo que eu acompanhava na hora de guardar os jornais (era arquivista). Então eu enquadrei a cena, mas tentando mostrar ela sem ser pesada, pensando na capa”, conta ele. E conseguiu. A foto foi capa no dia seguinte. “Cada dia você está aprendendo coisas novas. O fato que a gente está para noticiar não tem dia nem hora para acontecer”, expõe Aílton.


O trânsito estava cada vez mais lento. Andava um pouco e parava. Foram momentos de tensão até conseguir cruzar aquela multidão. Será que bloqueariam a rodovia e só conseguiria chegar em casa muitas horas depois? Não aconteceu. Ficaram à margem da rodovia e consegui passar com certa tranquilidade pela animada reunião de pessoas. Depois disso parei e refleti.


Será que tudo que aprendi na faculdade me ajudaria nisso? Será que toda a teoria e a prática que tive no âmbito escolar seria útil nesse momento da realidade? Sim, de fato servira de sobremaneira, até porque sem o ensino da faculdade, sequer saberia fotografar com uma câmera profissional. E como diz o fotógrafo Fábio Donegá: “Tudo que você aprendeu lá atrás (na faculdade) você acaba colocando em prática aqui (no ofício) e com pessoas que já têm essa vivência. O exercício da profissão é um complemento, uma sequência de trabalho mesmo”, categoriza ele.


Sim, os dois minutos (que pareceram uma eternidade com aquele buzinaço na minha orelha) esperando o sinal do trevo cataratas abrir me fizeram chegar a uma conclusão inesperada. Estava cansado sim, mas aquele momento era especial e singular. Entrou para a história ao ter seu fim sacramentado com o decréscimo de 46 centavos (por 60 dias) no preço do litro do diesel (ao custo de milhões de reais retirados de saúde e educação, por exemplo) e pela elaboração (que fere o princípio constitucional de livre concorrência) de um preço fixo de frete para todo o Brasil.


Aquilo que poderia passar despercebido para uma pessoa comum é captado já no enquadramento da câmera pelo fotojornalista. O diferencial dele está no olhar. No olhar treinado. É uma questão de prática e de sensibilidade. “Vejo uma cena e já paro o carro. Algo que eu vejo de curioso, que chama a atenção, é coisa para não deixar ser passado despercebido”, revela Aílton.


A mobilização foi geral. A população como um todo interviu para que se chegasse a tão expressivos resultados. Era isso que se via naquele domingo. Pais de família, filhos, amigos, inimigos, políticos de esquerda, de direita, agricultores, empregados, empresários. Todos protestando em prol de uma nação mais unida e menos açoitada pelos poderes públicos.


Sociedade que ganhou vez e voz com as mídias digitais. Vide a organização das manifestações por todo o Brasil em 2013. A internet, juntamente com os smartphones, revolucionou o mundo e democratizou o acesso à informação e à imagem. “Hoje todos têm um celular com câmera e podem dar asas à imaginação, à subjetividade, ao lado artístico. Não se precisa ser um profissional para fazer uma bela imagem”, afirma Karin Betiati, professora de fotojornalismo da Univel.


Decidi parar o carro mais afrente. Voltei com a câmera na mão, pronto para o combate. Tinha um certo receio de ser enxotado por algum manifestante avesso à publicidade da comunicação, mas fui em frente, afinal se é jornalista (mesmo ainda não sendo um) 24 horas por dia.


A notícia não tem hora nem lugar para acontecer. “Minha briga sempre foi tremenda de que se é jornalista 24 horas”, categoriza Aílton. Trabalho constante esse que às vezes tem a participação popular. A negativa participação popular na cobertura das ocorrências. “Tem hora que eu paro, deixo eles fazerem a imagem deles para depois eu me preocupar com a minha, porque atrapalha a da gente também”, revela ele. A verdade é que nem todos sabem utilizar corretamente o poder de uma foto, de um texto, de uma notícia e o digital só evidenciou isso ainda mais.


Caminhei por entre os carros por pelo menos 500 metros até chegar à concentração da multidão. Nunca havia visto aquele trevo com tantos veículos, mesmo em horários de típico movimento não haveria tanta gente. Vários carros contavam com um adereço em comum: a bandeira do Brasil. O ambulante ganhava dinheiro vendendo para quem ainda não as tinha e eu ganhava mais fotos para meu acervo fotográfico.


A venda de bandeiras do Brasil era constante. O ambulante alternava freneticamente entre um carro e outro na busca de atender a demanda de todos os clientes. © Daniel Marcondes

Há quem pense que fotografar é só apertar um botão, mas sabemos que não é bem assim. Demanda conhecimento, técnica e sensibilidade. Quem não tem essas características, invariavelmente acaba pecando na transmissão da informação e inundando a rede com fotos desnecessárias e talvez até invasivas. “No sentido da banalização da imagem, apesar de que qualquer um pode fazer o registro de um flagrante, nem sempre essas pessoas têm o cuidado com a imagem”, sentencia Fábio.


A polícia estava presente e fazia a observação da manifestação a distância. Interviriam se fosse preciso. Para o meu azar (ou sorte, vai saber) não interviram. Passei por eles e continuei em direção à paralisação. Caminhava com a câmera na mão, fotografando quase tudo o que via pela frente, em busca da foto perfeita. É verdade que só queria uma foto, “A foto”, mas para isso tirava centenas delas. Facilidades da era digital.


É evidente que quanto mais fotos melhor, mas até que ponto? Tudo em excesso não faz bem, com as imagens não seria diferente. “O digital estragou a gente em um certo ponto. Você vai numa situação em que você fazia três fotos, hoje você faz 100/200 fotos. Você vai batendo e não está nem aí com o dedo mais”, afirma o fotojornalista Aílton Santos. Número expressivo de fotografias que faz da seleção das imagens uma dificuldade a mais. “Isso atrapalha bastante, porque antes (no analógico) tudo o que se fazia tinha que ser aproveitado (por causa dos custos). Então tinha uma preocupação maior. Eu trabalhei nas duas épocas e percebo isso”, revela Carla Hachmann, editora chefe do jornal “O Paraná”.


Andei, andei e quando vi estava com um mar de gente à minha direita. E à esquerda também. No meio estava a pista de rolamento e os carros, caminhões e motos que insistiam em trafegar por ali. O instante era de êxtase. Nem sabia mais o que era cansaço, foi suprimido pela emoção da ocasião. Só queria eternizar o momento em imagens. Talvez tenha conseguido, talvez não. O fato é que aquilo, aquele domingo 27/05, entrou para história em minha mente. Está lá, num lugar cativo para nunca mais ser esquecido. O dia em que fui um fotojornalista. O dia em que vi a notícia e a narrei por meio das imagens. O dia em que o jornalismo falou mais alto que o estado de espírito.

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